Neve Ao Chocolate, de Gatineau
Há pouco mais de um ano no Canadá, Sandro Ferreira decidiu mudar de
vida no momento em que decidiu mudar de país. Preparou-se por três anos e
meio até dar entrada no processo de imigração de Quebec em 2009 –
decisão que tomou após assistir uma das palestras promovidas pelo
escritório de imigração da província em São Paulo.
Formado em Direito e trabalhando na área tributária, resolveu iniciar
uma segunda graduação que lhe permitisse ganhar pontos como candidato à
imigrante.
Atuar como advogado não era uma opção a se considerar – ainda que a
validação do diploma não fosse necessária, seria preciso refazer o
curso, já que há uma distinção fundamental entre as bases das leis
brasileiras (
Direito Romano) e canadenses (
Common Law).
“Em 2007 comecei a estudar Gestão de Negócios, uma das profissões com
maior demanda por aqui. Queria ter a pontuação máxima nos quesitos
formação profissional e empregabilidade para compensar minha deficiência
no francês”, conta o rapaz que cresceu na periferia de São Paulo e hoje
mora com a esposa em
Gatineau – cidade que faz fronteira com a capital canadense,
Ottawa.
A escolha pela nova profissão foi parte de uma minunciosa preparação
onde cada passo era dado via internet. Ele passaria a prestar atenção
nas demandas do mercado de trabalho canadense através de sites do
governo e, paralelamente, desenvolveria uma rede de contatos com
brasileiros que já estavam no Canadá através de seus blogs –
especialmente aqueles que atuavam na nova área profissional que escolhia
para si.
“A gente vai para ficar um mês passeando, mas se eu arrumar trabalho
não volto”, propôs à esposa assim que estavam com o visto nas mãos.
“Logo que cheguei, deixei as malas e passei o dia tirando todos os
documentos. No dia seguinte fui procurar emprego e uma semana depois já
estava trabalhando”, relembra.
Graças à dica de uma imigrante que trabalhava no balcão de
informações do metrô de Montreal – cidade que foi “visitar” –, Sandro
conseguia seu primeiro emprego canadense num centro de distribuição.
Estava disposto a trabalhar não importasse em quê; tudo fazia parte de
seu plano de vôo.
Dali a menos de um mês receberia a ligação de um amigo lhe oferecendo
uma vaga em uma outra cidade para ser prestador de serviços – função
que de fato queria para si e na qual está até hoje.
Negro, oriundo da periferia, Sandro sentia a falta de um blog que falasse de uma realidade mais próxima a sua.
“Não tem negrão que emigra? Eu não conhecia nenhum blog que falava
com a linguagem de negrão. Queria saber como eram por aqui essas
questões que não eram abordadas em nenhum dos blogs”, questiona o
criador do blog
Neve ao Chocolate. Ao explicar o nome, ele cai na gargalhada: “Dois pretinhos no país do gelo”.
Ao criar o blog em 2007, sua intenção era falar sobre imigração para
quem não tivesse tantas oportunidades. “O perfil do imigrante brasileiro
clássico é o cara de classe média alta que já tem
pedigree. O
jovem negro ou pobre no Brasil não tem oportunidades, perspectivas nem
referências, por isso vive no conformismo. Se ele tem um pouco de
incentivo, vai em frente”, afirma.
Sua vontade de emigrar por si só já demonstra um comprometimento pessoal de ir contra as estatísticas, fazendo a diferença.
“No Brasil, negro sempre foi a vítima clássica da violência e quando
começa a escalar a pirâmide social é frequentemente confundido com
artista ou jogador de futebol. Quando me casei e fui morar no Tatuapé
(bairro paulistano de classe média), meus vizinhos ficavam surpresos
quando eu dizia que era advogado”, lamenta ao constatar que é mais fácil
ser negro no Canadá.
Em seu blog, Sandro aborda questões como
o sistema de saúde canadense, conta algumas histórias engraçadas – como o dia em que
se meteu por engano como tradutor em um processo na Justiça ou o dia em que
sua esposa conversou em inglês com uma atendente de lanchonete – e comenta algumas
dicas sobre como ser um profissional autônomo.
O blogueiro não esconde seu entusiasmo com o novo país mas ressalta a importância de saber a diferença entre o que é dito nas
palestras promovidas pelo governo (que quer imigrantes) e a realidade.
“É um conto de fadas. O Canadá busca a elite intelectual dos outros
países mas quando o profissional chega aqui vê que é diferente do que
ouviu nas palestras. Por isso, o imigrante ideal não será
necessariamente bem sucedido. É preciso que as pessoas que queiram vir
saibam que terão que dar passos para trás e estejam dispostas a isso”,
diz.
Atualmente, Sandro é microempresário e presta consultoria no setor de
telecomunicações. Parafraseando seu entusiasmo cristão, tem o emprego
que pediu a Deus. “Hoje ganho menos do que ganhava como advogado no
Brasil mas meu poder de compra é bem maior. Além disso, tenho
flexibilidade, sou meu próprio patrão e gosto do que faço”, conclui.
Se ainda volta ao Brasil? Sua resposta não deixa dúvidas: “O Brasil
pode ser o país do futuro, talvez para os meus netos, mas não para mim”.